quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Dois clássicos de fronteira Western: Shane - Os brutos também amam e Rio Vermelho

O que o mar mediterrâneo foi para os gregos _ rompendo com as amarras da tradição, oferecendo novas experiências, fazendo surgir novas instituições_ a expansão para o Oeste foi para os Estados Unidos.

Os filmes de western retratam um mundo em construção, uma natureza que precisa ser dominada, mas acima de tudo, o destino manifesto na construção de um novo homem, livre das amarras eurocêntricas, um homem destinado a ser protagonista do mundo: o homem americano.

O western alimenta o mito do self-made-man, o homem no limite das fronteiras do desconhecido, o homem diante do infinito. A fronteira é geradora de individualismo. Essa região remota que constitui wilderness impele a sociedade complexa para um tipo de organização primitiva baseada na família. O individualismo de fronteira fomentou o tipo de democracia americana. O significado da fronteira na história americana transcende a questão físico espacial, e toca muito mais do ponto de vista cultural e mítico, do que em qualquer outro. O desenvolvimento social americano foi construído na expansão rumo ao Oeste. O contato permanente com a simplicidade de uma sociedade, que era considerada primitiva, propiciaram as forças que lapidaram o tipo de caráter americano. O verdadeiro ponto de vista da história da nação americana não é a costa atlântica, mas sim o Grande Oeste, o ponto de contato entre o mundo selvagem e a civilização.

A fronteira promoveu a formação da nacionalidade complexa do povo americano. No Oeste, wilderness, a natureza inóspita e remota, dominou o colono. Na fronteira, acima de tudo, o meio ambiente foi duro demais para o homem. Pouco a pouco este homem transformou essa terra remota e inóspita e o resultado não foi a velha Europa, não foi simplesmente o desenvolvimento das raízes anglo-saxônicas. O fato é que no Oeste surgiu um novo produto, que é americano. Desse modo, o avanço da fronteira significou um movimento contínuo de afastamento da influência européia, um permanente crescimento de independência com traços americanos. E entender esse avanço, de homens que cresceram sob tais condições, bem como os resultados políticos, econômicos e sociais decorrentes, é entender a parte realmente americana da história.

Haviam todos os tipos de fronteiras: a fronteira do mercador, a fronteira dos rancheiros, a fronteira dos mineiros, a fronteira dos lavradores, a fronteira dos índios, a fronteira dos mexicanos e também a fronteira do amor proibido. A trilha do búfalo se tornou a trilha dos índios e essa se tornou o rastro do mercador. As trilhas se alargaram se tornando caminhos, e os caminhos se tornaram estradas, que, por sua vez, se transformaram em ferrovias

As colocações feitas acima são pertinentes porque já contém, do ponto de vista histórico, todos os ingredientes dos filmes de faroeste, que é a alma do cinema americano por excelência. Ou seja, a realidade da expansão norte-americana no século XIX, as paisagens e cenários naturais, uma forte iconografia, violência inerente a um lugar onde os valores sociais estão em construção, duelos, exaltação das armas, o índio como natureza e não como pessoa, a lei e foras da lei, pessoas em transito, o viajante, as vinganças, a família e a mulher como alternativa futura.

Dois filmes podem exemplificar muito bem a genealogia dos filmes de western: “Os brutos também amam” (Shane) de 1953 com a direção de George Stevens, e “Rio Vermelho” (Red River) de 1948, dirigido por Howard Hawks.

Shane é um filme genial, mostra um Oeste bastante inóspito, onde não há vida urbana, e a comunidade é praticamente agrícola. Os pioneiros são pequenos agricultores, que estão sendo ameaçados pelo antigo ocupante daquelas terras, cujo interesse é a criação de gado. Havia uma lei federal que prescrevia que todas as terras públicas deviam ser gratuitamente dadas a aventureiros individuais e aos estados em que as terras estavam situadas. Este conflito de terras também aparece episódicamente no início de Rio Vermelho, quando o protagonista, interpretado por John Wayne, chega ao texas, que na ocasião pertencia ao México. Em Shame, temos o homem bom, que é casado tem uma linda esposa e um filho. Representam a própria família, com seus superlativos valores. A mulher é sempre pura, obediente, forte e fiel. No mundo do western as mulheres são boas, mesmo quando prostitutas podem ser redimidas. A raridade das mulheres e os perigos da vida rude deram a esta sociedade nascente o dever de proteger suas fêmeas. A mulher representa a família, o futuro, a raíz, a terra e os fundamentos morais. Quando Shane aparece na propriedade do bom colono inicia-se um triângulo amoroso, correspondido, mas platônico. Shane é um pistoleiro solitário que está apenas de passagem mas resolve ficar, para tentar talvez uma nova vida. O personagem é misterioso e propositalmente calado. É um herói trágico, e os heróis trágicos são sempre universais. Três cenas são emblemáticas e inesquecíveis. A primeira é a cena do cemitério, quando um dos posseiros é enterrado após ser assassinado por um pistoleiro de aluguel (Jack Palance imperdível). Vemos o cemitério com o pequeno núcleo da cidade ao fundo, e o cachorro do morto acompanhando a descida do caixão. O pequeno Joey vê uma égua, acompanhada com seu potro, e vai acaricia-lo, e uma pequena menina sorri com o gesto, e o contraste entre vida e morte, nesta seqüência tão triste, é tocante. Em uma outra cena vemos os dois amigos, Shane e Joe, brigando ferozmente, a cena é magistral, demoramos muito pra ver a luta, vemos a reação do menino, da esposa virtuosa, vemos pela janela vultos, e os cavalos assustados tampam a cena, e só muito depois vemos a briga de fato. E a reação dos animas, o gado, os cavalos quebrando a cerca, pontuam a ação de forma verdadeiramente brilhante. Esta cena tem um tratamento de corte diferente do restante do filme, tem um conceito diferenciado, acontece de forma inesperada, mudando a narrativa radicalmente. Shane a partir daí resolve eliminar os obstáculos à felicidade e harmonia da pequena comunidade e depois partir. O terceiro momento que eu destaco é o do próprio duelo, todo visto sobre o ponto de vista do menino. Os momento que o menino segue Shane pelas planícies e atravessando o rio, e o cachorro seque o menino é lindo. O western é repleto de panorâmicas e a fotografia valoriza muito a plenitude e o horizonte do espaço.

Como vimos, em Shane temos diversos ingredientes típicos do gênero: Família, duelos, valores conservadores, pistoleiros, armas especiais, briga física, etc. Pensando a respeito do sugestivo título em português: quem é o bruto que também ama? Chequei a conclusão que são todos. Todos são homens duros, que amam suas esposas, seus filhos, sua terra, sua liberdade e sua vida. Caso raro em que o título local gera uma positiva reflexão.

Shane é um filme muito bem arquitetado, com uma direção de arte excelente, um cuidadoso figurino, que não ostenta em momento algum, tem uma forte preocupação realista e tem uma ótima sacada no figurino da esposa de Joe, para o 4 de julho.

Rio Vermelho é um épico grandioso, de paisagens gigantes, horizontes amplos, céu dramático, as vezes ensolarado, outras vezes chuvoso, colérico ou tranqüilo. Um céu que acompanha o fluxo emocional da narrativa. Está totalmente inserido no conceito simbólico de fronteira, onde o próprio Rio do título é uma fronteira simbólica, da radical mudança de atitude dos dois personagens principais, interpretados por John Wayne e Montgomery Clift, que são praticamente pai e filho, e brigam seriamente após a travessia. Enfoca outra questão do velho oeste, a do transporte de gado. Os campos abertos das Grandes planícies com ranchos e caubóis propiciava uma vida nômade. A experiência dos currais de gado dos estados da Carolina serviram de orientação para os rancheiros do Texas. Um elemento que favoreceu a rápida extensão da fronteira dos rancheiros é o fato de que numa terra remota, como era o Texas, com falta de instalações de transporte, o produto precisava autotransportar-se, sendo assim, o criador de gado tinha que conduzir seu produto até o mercado. O filme é baseado em uma lenda do Texas, onde em 1851, dois vaqueiros conseguiram percorrer uma trilha, chamada depois de trilha Chisholm, com 15.000 cabeças de gado. O filme faz uma analogia sutil aos pais peregrinos que colonizaram a América. Só que neste caso são os vaqueiros que percorrerão uma imensa terra desconhecida em direção a um local incerto, que nunca chega, gerando um forte descontentamento que é a tenção principal do filme até chegarmos ao Rio Vermelho. Depois esta tenção fica por conta da rivalidade entre os dois amigos até um desfecho muito tocante e inesperado. É um filme edificante, que fala sobre a força da vontade e do perdão. Tem todo o receituário dos típicos westerns: brigas físicas, armas, índios e mulheres. Historicamente este filme localiza-se no mesmo período, com relação a Shane, pós guerra civil americana. Mas temos sensações diferentes. Aqui as cidades parecem mais desenvolvidas, e temos a presença da ferrovia como sinal de desenvolvimento. As ferrovias eram favorecidas por concessões de terras e conduziram uma leva crescente de imigrantes para o extremo Oeste.





Gostaria de destacar especialmente três momento, Quando tem o estouro da boiada, e o gado começa a correr, é impressionante. Há uma grande quantidade de planos, sempre com a objetiva fixa, mas os cortes nos dão a plena dimensão da tragédia. E a história do vaqueiro que gostaria de presentear sua pretendente com sapatos vermelhos, e acaba morrendo pisoteado, é muito sensível. A maneira como aparece uma carroça vazia no meio do gado ensandecido, acentuando a violência e o suspense da explosão é tecnicamente muito bem pensado. Outro momento belíssimo é aquele em que o gado atravessa o Rio Vermelho, com planos amplos do gado atravessando pela água. Por fim, a seqüência da briga dos dois, acentuada por uma presença feminina é típica do gênero, mas muito bem armada nos diálogos, que são fundamentais pra conclusão da trama, mas acontecem todos durante a própria briga, onde não falta o imprescindível revólver.

Com relação ao gênero da comédia procurarei ser mais sucinto. A comédia é um gênero múltiplo, nada uniforme, que possui variações muito acentuadas. O senso comum sugere que é possível estabelecer uma lista de elementos encontrados em filmes chamados de Western ou nos filmes Noir, e afirmar que qualquer filme que possua alguns desses elementos dentro de uma determinada estrutura pode ser considerado Western ou Noir. Há critérios estético e temáticos. Mas na comédia não é assim. A comédia enquanto gênero tem algo de normativo de valores. Ela ridiculariza certos tipos sociais, é reguladora de comportamentos às avessas. Inclusive no teatro ela exerce também este papel. Os diálogos são geralmente muito coloquiais e com muito agilidade de tempo. Em geral o "time" da comédia é muito preciso. A comédia tem muito menos compromisso com a realidade do que o drama. Literalmente pode tudo. Em certos tipos de comédias, o personagem pode cai do décimo andar de um edifício e sair andando normalmente, apenas limpando o casaco. A comédia permite que o inusitado seja crível, dentro das regras estabelecidas no início da trama. O áudio e a trilha sonora são fundamentais para a obtenção do cômico. A comédia também acompanha mais de perto o cotidiano do homem comum, precisa que a identificação do espectados seja imediata. É muito normal termos uma grande quantidade de filmes cômicos que se passam no próprio tempo do público. Ou seja, a comedia é irmã do hoje, do agora, do momento presente imediato. Ela envelhece mais rapidamente do que o drama. O que não desqualifica o gênero, de forma alguma, mas nos coloca atentos na avaliação crítica de uma obra fílmica, quando por exemplo, é muito distante da nossa cultura ou do nosso tempo.

Por exemplo, nas comédias românticas de Hollywood, dos anos 30 aos anos 50, as pessoas não dormiam juntas antes do casamento. Era uma convenção. Não há como explica-la baseando-se apenas no Código Hays. As comédias tiveram uma forte influência da televisão, e sua agilidade e rapidez sempre estiveram no gosto do público mais popular. Duas comédias servirão de modelo para a nossa reflexão: “Ser ou não Ser” ( to be or not to be) estreada em 1942 e dirigida por Ernest Lubitsch, e “Levada da Breca” (Bringing up baby) de 1938 e realizada por Howard Hawks, o mesmo diretor de “Red River”. Procurei destacar duas comédias praticamente contemporâneas, mas bastante diferentes. Apesar de separadas por apenas 4 anos , temos aí a segunda grande guerra, que é um elemento importante. “Ser ou não ser” é uma comédia que transita por uma tênue linha. Trata de um tema totalmente contemporâneo ao filme, é uma mascarada de identidades trocadas e tem quase uma metalinguagem, porque são atores interpretando atores personagens, que interpretam personagens, que são figuras públicas notórias. A história se passa em Varsóvia, na Polônia, cidade que será totalmente destruída dois anos depois (na ocasião ninguém poderia prever isso). Uma trupe de atores, desempregados por causa da guerra, resolvem ajudar o serviço secreto britânico e a resistência polonesa, fazendo-se passar por oficiais nazistas, e metem-se nas mais variadas confusões. Destaco um diálogo, verdadeiramente hilário e picante, entre um homem que é piloto de bombardeios e uma atriz, no camarim de um teatro durante uma apresentação de Hamlet, de Shakespeare e uma outra cena que é um diálogo entre cum ator que está se passando por um falecido médico espião e um oficial nazista de calta patente. O filme chama “Ser ou não ser”, porque este é o momento exato da peça de teatro, quando a atriz encontra-se com seu amante no camarim, enquanto seu marido interpreta esse famoso monólogo. Nós nunca vemos nada físico acontecendo entre os amantes. O filme é atual no seu tema, e contém diversas críticas cômicas aos nazistas e aos alemães. Lubitsch era alemão. Levada da breca é um filme anterior e que tem outro tipo de abordagem cômica. O filme tem diálogos muito rápidos e é considerado uma Comédia Amalucada, gênero cômico que teve grande destaque nos anos 30 e princípios de 40, a chamada era de ouro de hollywood . Levada da Breca é uma comédia romântica, com diálogos geniais, onde destaco a seqüência em que procuram o osso que o cachorro George roubou, e em que nosso protagonista recebe o nome de Sr. Bonnes (osso). Há uma outro momento, imortal na história das comédias, onde a tia da protagonista (Katherine Hepburn) está com uma amigo na mesa imitando um leopardo e outros bichos. Os dois filmes, apesar de muito diferentes, se enquadram nas realidades do gênero, naquilo que ele tem de rico e variado.

Bibliografia:

Turner, Frederick Jackson. Oeste Americano. Editora da Universidade Federal Fluminense. 2004.

Bazin, André. O western ou o cinema americano por excelência. In. O cinema: ensaios.

São Paulo. Editora Brasiliense. 1991.

Rocha, Glauber. Western – introdução ao gênero e ao herói. In. O século do cinema.

2 edição. Cosac & Naify. 2005

Ramos, Fernão Pessoa. (org.) A idéia de gênero no cinema americano. Edward Buscombe.

In. Teoria Contemporânea do cinema. Vol II. Editora SENAC.

Bergson, Henri. O riso. Ensaio sobre o significado do cômico. Edit. Zahar. 1978

Friedrich, Otto. A cidade das redes. Hollywood nos anos 40. Companhia das letras. 1988.

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