domingo, 5 de dezembro de 2010

Akira Kurosawa - 100 anos

Estamos celebrando este ano o centenário de Akira Kurosawa, um gênio do cinema. Recentemente eu e o outro escritor desse blog o Vinicius assistimos ao clássico: Sete Samurais. O filme é impressionante e quebra qualquer preconceito contra o cinema japonês. É um bom momento para recordá-lo e também seus melhores filmes. Sua vida é cercada de polêmicas pois, apesar de ser aclamado em todo o mundo no Japão ele é visto como um diretor mediocre. Este fato levou-o a tentar suicídio em 1970. Vamos aos fatos:

Akira Kurosawa - (1910-1998).

Universalmente admirado e idolatrado como um mestre, mas desprezado no Japão como um cineasta secundário e irascível. Uma mágoa profunda que marcou sua vida. Ele chegou a tentar o suicídio em 1970, quando não conseguiu dinheiro para um filme, que, felizmente terminou pacificamente com o apoio dos mais jovens diretores americanos (Coppola, Spielberg, Lucas, Scorsese) que o ajudaram a conseguir dinheiro americano para fitas como Sonhos e Kagemusha.

Sua última fita Madadayo era obviamente autobiográfica e mostrava que ele havia feito as pazes com o mundo, sem abdicar de seu orgulho de mestre. De qualquer forma é a Kurosawa que se deve a descoberta no exterior do cinema nipônico com o sucesso de Rashomon e depois de Os Sete Samurais (que popularizaram o gênero samurai, depois adaptado até para o faroeste). Mesmo porque outros grandes diretores contemporâneos a ele (como Mikio Naruse, Mizoguchi), são por demais orientais para consumo externo.

Uma revisão de sua obra inicial confirma seu status de um cineasta irretocável. Preferir um filme dele a outro é mera questão de gosto pessoal. Um grande artista. Foi revelado internacionalmente com o sucesso de Rashomon – Leão de Ouro em Veneza e Os 7 Samurais, cujo sucesso nos Estados Unidos foi tão grande que foi adaptado em western e virou o filme Sete Homens e Um Destino (de John Sturges, 1960). Começou como pintor e ilustrador de revistas, fazendo anúncios publicitários.

Foi assistente de direção de Yamamoto e escreveu uma série de argumentos (mais de 20, entre 1942-65). Sobre ele, a opinião de Georges Sadoul parece definitiva: neste grande autor, a violência intervém com frequência, mas como manifestação de cólera e revolta contra as injustiças sociais de ontem e hoje, é um humanista colocado a serviço de um ideal. Seu sentido plástico, sua direção de atores, sua mise-en-scène perfeita, sua montagem rigorosa, tudo isto o consagra como um grande cineasta.

Superada a crise de 1970, dirigiu, na União Soviética (que entrou como co-produtora), Dersu Uzala, que ganhou o Oscar de Filme Estrangeiro. Com a ajuda de Coppola, realizou um grandioso retorno aos temas do Japão medieval em Kagemusha. A seguir, adaptou a clássica peça de William Shakespeare (O Rei Lear) e filmou uma de suas melhores obras, Ran (Kurosawa já havia adaptado Shakespeare em Trono Manchado de Sangue, inspirado em Macbeth). Sua posição de um dos maiores cineastas de todos os tempos permaneceu, assim, inalterada.

Uma história original sua foi filmada por Konchalovsky em 1985: Expresso Para o Inferno. Sempre apoiado pelos amigos americanos, em 1990, conseguiu fazer um filme em episódios tão pessoal que se chamou Sonhos de Kurosawa. O ator americano Richard Gere faria participação especial no filme seguinte, Rapsódia em Agosto, 1991, uma discutível acusação aos americanos por terem lançado as bombas atômicas no Japão. Seu último filme foi uma despedida coerente, Madadayo, 1993, na história autobiográfica de um velho mestre que se despede dos alunos, embora ainda diga, como numa velha canção japonesa, que ainda não está pronto para morrer.

Faleceu em setembro de 1998, justamente quando acontecia o Festival de Veneza, que o revelara para o mundo ocidental. Ganhou Oscar Especial pela carreira em 1989. Conheci Kurosawa em coletivas em Nova York e Cannes mas também numa entrevista exclusiva em Cannes, mas foi uma frustração porque não entendia nada do japonês. Ele respondia e eu ficava com cara de bobo esperando a tradutora que em geral reduzia o sentido do que ele respondeu. Era um senhor muito educado, como bom japonês, muito discreto. Falava através de seus filmes.

Dir.: 1943 – Sugata Sanshiro (Denjiro Okochi). 1944 – A Mais Bela (Ichiban Utsukuchiku. Yoko Yaguchi). 1945 – Zoku Sugata Sanshiro (Susumu Fujita). Os Homens que Pisaram na Cauda do Tigre (Tora no O Fumo Otokotachi. Denjiro Okochi). 1946 – Asu o Tsukuru Hitobito (Kenji Susukida). Não Lamento Minha Juventude/Juventude sem Arrependimento (Waga Seishuni Kuinashi. Susumu Fujita). 1947 – Um Domingo Maravilhoso (Subarashiki Nichiyobi. Kaoru Numazaki). 1948 – O Anjo Embriagado (Yoidore Tenshi. Takashi Shimura). 1949 – Duelo Silencioso (Shizukanaru Ketto. Toshiro Mifune). Cão Danado (Nora Inu. Toshiro Mifune). 1950 – Escândalo (Shubun. Toshiro Mifune). Rashomon (Idem. Toshiro Mifune, Machiko Kyo). 1951 – O Idiota ou Hakuchi, o Idiota (Hakuchi. Masayuki Mori, Toshiro Mifune). 1952 – Viver (Ikiru. Takashi Shimura). 1954 – Os Sete Samurais (Shichinin no Samurai. Toshiro Mifune).

Anatomia do Medo ou Registro da Vida de Um Homem (Ikimono no Kiroku. Toshiro Mifune). 1957 – Trono Manchado de Sangue (Kumonosu-Jo. Toshiro Mifune). Ralé (Donzoko. Ganjiro Nakamura). 1958 – A Fortaleza Escondida (Kakushi toride no San akunin. Minoru Chiaki, Toshiro Mifune). 1960 – Homem Mau Dorme Bem (Warui Yatsu Hodo Yoku Nemuru. Toshiro Mifune). 1961 – Yojimbo (Idem. Toshiro Mifune). 1962 – Sanjuro (Idem. Toshiro Mifune). 1963 – Céu e Inferno (Tengoku To Jigoku. Toshiro Mifune). 1965 – O Barba Ruiva (Akahige. Toshiro Mifune). 1970 – Dodeskaden (Idem. Yoshikata Zusai). 1975 – Dersu Uzala (Idem. Maxime Mounsouk, Youri Solomine). 1980 – Kagemusha, a Sombra do Samurai (Kagemusha. Tatsuya Nakadai, Tsutomo Yamazaki). 1985 – Ran (Idem. Tatsuya Nakadai, Akira Terao). 1990 – Sonhos de Kurosawa (Akira Kurosawa's Dreams/ Yume. Akira Terao, Mitsuko Baisho). 1991 – Rapsódia em Agosto (Rhapsody in August/ Hachigatsu no Kyoshikyok. Richard Gere, Hisashi Igawa). 1993 – Madadayo (Idem. Hisashi Igawa, Tatsuo Matsumura.

Os grandes filmes:

Rashomon (Idem, 50). Elenco: Toshiro Mifune, Machiko Kyo, Masayuki Mori, Takashi Shimura, Minoru Chiaki, Kichijiro Ueda, Fumiko Honma.

Sinopse: No século XI, num dia de chuva, três homens conversam em um lugar destruído. Um lenhador, um místico e um homem comum. Comentam sobre um julgamento envolvendo o estupro de uma mulher por bandido e o assassinato de um samurai pelo marido dela. Mas as diferentes versões se contradizem. Até quando um espírito se incorpora em médium, para relatar a verdade definitiva.

Comentários: O primeiro grande sucesso internacional de Kurosawa, num filme muito imitado (os americanos o refilmaram como Quatro Confissões/ The Outrage, 1964, de Martin Ritt, com Paul Newman, Claire Bloom e Laurence Harvey). Principalmente por sua estrutura, com narrativas contraditórias, provando que a verdade é uma coisa muito relativa.

Indicado para o Oscar de Direção de Arte, foi premiado com um Oscar especial (não havia ainda a categoria de Filme em Língua Estrangeira). Também ganhou o Leão de Ouro e prêmio da Crítica no Festival de Veneza. Tem uma notável fotografia, ousada, com câmera na mão e luz natural que diferencia as diversas versões da história. Uma autêntica obra-prima e um filme seminal. O título original quer dizer Na Floresta.

Os Sete Samurais (Shichinin no Samurai, 1954)

Com Toshiro Mifune, Takashi Shimura, Yoshio Inaba, Seiji Miyaguchi, Minoru Chiaki, Daisuke Kato, Ko Kimura, Kamatari Fujiwara, Kuninori Kodo, Bokuzen Hidari.

Sinopse: Camponeses que vivem numa vila no século 16 resolvem contratar sete samurais para protegê-los contra os ataques anuais dos bandidos.

Bastidores: Rodado entre 1952 e 53, nos estúdios da Toho, era o filme favorito do diretor e um grande sucesso internacional responsável por tornar famoso o gênero “filme de samurai”. Sua proposta era fazer uma grande diversão e muitos acharam que ele tinha um ar de faroeste, tanto que mais tarde ele foi refilmado como Sete Homens e um Destino (The Magnificent Seven, 60) de John Sturges, com Yul Brynner, Steve McQueen, James Coburn (e que depois teve três continuações, foi transformado em série de TV e ainda mais tarde refeito como telefilme. Ainda foi transposto para o espaço na fita Mercenários das Galáxias/Battle Beyond the Stars, de Jimmy T. Murakami,1980).

Kurosawa nunca gostou de nenhuma delas. A fita foi distribuída originalmente nos EUA com sua versão de 141 minutos quando no original tem 208!. Ganhou Prêmio Especial do Júri em Veneza. Foi o sétimo filme do diretor com seu ator preferido, Toshiro Mifune (1920-97), que aqui faz Kikuchito (com quem ainda voltaria a trabalhar em mais nove fitas, até terem uma briga e inimizade).

Comentários: Os Sete Samurais teve enorme influência em todo o mundo, mesmo que na estreia não tenha sido entendido pela maior parte da crítica. Realizado com muitas dificuldades (levou mais de ano em produção e foi por causa desta fita que ele ganhou seu apelido de “tenno/imperador”), o filme pretendia ser de época (jidai-geki) mas também divertido, bem humorado, movimentado, eletrizante, épico mas sempre dizendo muito sobre a natureza humana.

Deve ter sido um choque para os não familiarizados com a cultura japonesa na época, entender o código samurai, a maneira de representar dos atores, o gestual diferente, a ação mais violenta do que era costume no Ocidente. Mas tudo dentro de uma mensagem generosa (os guerreiros se sacrificam pelos camponeses, por aquilo que acham certo).

O fato é que superando o mero exotismo, Os Samurais de Kurosawa tem cenas de luta e ação espetaculares, uma fotografia esplêndida, uma direção de arte fenomenal (até indicada ao Oscar). Chamá-lo de um faroeste oriental é até uma ofensa. Tomara que os cowboys tivessem os códigos de honra e habilidades dos samurais e as cenas de ação fossem coreografadas de forma tão espetacular. O inverso é que seria mais correto.

Trono Manchado de Sangue **** (Kumonosu-Jo, 57)

Elenco: Toshiro Mifune, Isuzu Yamada, Takashi Shimura, Akira Kubo, Yoichi Tachikawa, Minoru Chiaki, Takamaru Sasaki.

Sinopse: Japão, século 16. Durante as guerras civis, dois samurais encontram profeta que anuncia o futuro de Washizu. Ele se converterá no senhor do castelo do Norte.

Comentários: Este é um dos melhores filmes do mestre Kurosawa. Brilhante adaptação de Macbeth, de Shakespeare, que teria inspirado Star Wars de George Lucas. Segue o texto original, desde o começo, com o encontro da bruxa na floresta, que desencadeia a ambição da mulher de um deles, que faz o marido matar o dono de um castelo, tomar seu lugar e matar o amigo. O remorso e o excesso de poder irão deixar suas marcas. Um grande texto num filme de grande beleza visual, nipônico e universal ao mesmo tempo.

Homem Mau Dorme Bem ****

Warui Yatsu Hodo Yoku Nemuru,1960.

Elenco: Toshiro Mifune, Takashi Shimura, Masayuki Mori, Kyoko Kagawa, Tatsuya Mihashi, Takeshi Kato, Kamatari Fujiwara.

Sinopse: Executivo em ascensão e de passado obscuro casa-se com a filha do presidente de uma empresa habitacional do governo, alvo de denúncias de corrupção, cujos funcionários estão morrendo misteriosamente.

Comentários: Após uma sucessão de filmes épicos e de aventura, Kurosawa resolveu inaugurar sua produtora com um projeto diferente, com conteúdo social e abordando um tema que o interessava, a corrupção na sociedade japonesa. Daí essa intrincada trama policial que se passa no mundo corporativo do Japão dos anos 60, em uma empresa pública da construção civil onde a diretoria cria situações para obter propinas e enriquecer.

O astro Toshiro Mifune (1920-97) faz o executivo de passado desconhecido que se casa com a filha aleijada do presidente da empresa, aparentemente por interesse. Mas claro que há algo mais. O filme já começa mostrando a maestria de Kurosawa, na sequência do casamento onde, habilmente, ele resume para o público toda a situação, os personagens, os conflitos que se seguirão. E que ele desenvolve com ritmo rápido e nervoso, muitas reviravoltas e uma sutil relação com uma de suas peças prediletas, Hamlet.

Yojimbo**** (Idem, 1961)

Diretor: Akira Kurosawa

Elenco: Toshiro Mifune, Tatsuya Nakadai, Kamatari Fujiwara, Takashi Shimura, Seizaburô Kawazu, Isuzu Yamada, Hiroshi Tachikawa, Kyu Sazanka.

Sinopse: Em 1860, no fim da Era Tokugama, um Ronin, ou seja, um samurai sem chefe chamado Sanjuro chega à vila de Manome que está dividida entre duas facções. De um lado o fabricante de sakê Tokuemon que recrutou um grupo de ex-prisioneiros, do outro, o comerciante de seda Tazaemon. Sanjuro se oferece a quem pagar mais, jogando um grupo contra o outro.

Comentários: Um dos grandes filmes de samurai da história, seguido pela continuação Sanjuro do ano seguinte. Influenciou muito o faroeste à italiana, em particular Por um Punhado de Dólares, que o diretor Sergio Leone copiou sem autorização (e por isso foi processado).

Tem uma trilha musical original, meio jazzística e estilizada, grandes cenas de luta (ângulo original, geralmente visto de cinema), momentos clássicos (o cachorro levando a mão humana na boca) e a presença formidável de Mifune, ator preferido do diretor. Yojimbo, quer dizer guarda-costas e o filme também é conhecido por esse nome. Mifune ganhou como melhor Ator no Festival de Veneza e o filme foi indicado ao Oscar de Figurinos.

Sanjuro **** (Tsubaki Sanjuro, 62)

Elenco: Toshiro Mifune, Tatsuya Nakadai, Keiju Kobayashi, Yuzo Kayama, Akihiko Hirata, Reiko Dan, Takashi Shimura, Kamatari Fujiwara, Kenzo Matsui.

Sinopse: O Ronin Sanjuro treina nove jovens nobres que decidiram se levantar contra a gestão corrupta de Muroto, um chefe feudal. Mas é mais difícil dar lições de vida e filosofia do que lutas.

Comentários: Continuação de Yojimbo, retomando as aventuras do Ronin Sanjuro, só que em tom menor, com mais falatório, menos ação. Até a fotografia é mais discreta em enquadramentos e narrativa. Por outro lado, há mais ironia e delicadeza. Sem esquecer o lado filosófico e espiritual.

Dersu Uzala ***** (Idem, 74)

Elenco: Maksim Munzuk, Yuri Solomin, Suimenkul Chokmorov, Svetlana Danilchenko, Dima Kortitschew, Vladimir Kremena, Aleksandr Pyatkov.

Sinopse: Em 1910, o capitão russo Vladimir Arseniev procura o túmulo de seu amigo Dersu Uzala e recorda, quando em 1902, fez uma expedição topográfica na Sibéria, ajudado por esse camponês mongol que lhe guiou.

Comentários: Depois de uma tentativa de suicídio, porque não conseguia financiamento para seus filmes, Akira Kurosawa teve que ir para a União Soviética para poder realizar este filme que lhe daria o Oscar de Fita Estrangeira. É de uma incrível poesia e plasticidade. Passa-se no começo do século, numa “taiga” siberiana, com um jovem cientista russo em expedição e o seu guia, um inculto, mas sábio caçador.

Uma meditação sobe a relação homem-natureza de enorme beleza. Sempre foi visto antes deformado pelos enquadramentos (widescreen sem ajuste do Pan & Scan, só se via a imagem central e destruía o resultado). A cópia atual demonstra instabilidade da cor, o que é compreensível por se tratar de um filme russo rodado em locações. Inspirado em fatos reais, tem narrativa lenta principalmente quando Dersu vai morar na cidade com o amigo.

Ran ***** (Idem, 1985)

Elenco: Tatsuya Nakadai, Akira Terao, Jinpachi Nezu, Daisuke Ryu, Mieko Harada, Yoshiko Miyazaki, Masayuki Yui, Kazuo Kato.

Sinopse: No século 16, no Japão feudal, um velho e grande Lorde de um clã, decide dividir o seu poder entre os filhos. O mais jovem contesta a decisão e é banido. Os mais velhos expulsam o pai que enlouquece e é protegido pelo filho rejeitado.

Comentários: Por muitos anos, Kurosawa pensou em fazer essa adaptação de Rei Lear, de Shakespeare. Como de costume, desenhou o filme antes, plano a plano, imagem por imagem, como se fossem pinturas. O filme ganhou o Oscar de Figurino e foi indicado a Fotografia, Diretor e Direção de Arte. O resultado foi sua última obra prima, um filme magnífico. Ran significa desordem, caos. Na adaptação, Kurosawa mudou o sexo dos personagens.

Agora são três filhos, e por consequência, o maior vilão é a uma mulher que procura vingança. Os primeiros 45 minutos são de uma secura intencional (imagens acadêmicas e estáticas difíceis de suportar). Mas acontece então a mais bonita cena de batalha da história do cinema: cinco minutos onde só se escuta música enquanto mostram imagens brilhantes, de tirar o fôlego.

Dali em diante, o ritmo melhora. O personagem da mulher vingativa é extraordinário e o final é emocionante. Toda a condição humana é dissecada nesta simples cena final.

Sonhos **** (Yume/ Akira Kurosawa’s Dreams, 90)

Elenco: Akira Terao, Mitsuko Baisho, Mieko Harada, Mitsunori Isaki, Yoshitaka Zushi, Hisashi Igawa, Chosuke Ikariya, Martin Scorsese.

Sinopse: Oito episódios: Sol em meio a Chuva é uma alegoria visual em que um menino vê um casamento de raposas. O Pomar de Pêssegos, o mesmo garoto encontra o espírito de pessegueiros que foram cortados por humanos. A Nevasca, equipe de alpinistas é salva por uma figura fantasmagórica. O Túnel, um homem encontra os fantasmas de um pelotão, de cuja morte ele foi o responsável. Corvos, um estudante de arte encontra Van Gogh. Monte Fuji em Vermelho, acidente nuclear ameaça o Japão. O Demônio Chorão, um retrato do mundo pós guerra nuclear, habitado por mutantes. O Povoado dos Moinhos, uma vila cuja população está em sintonia com a natureza.

Comentários: Se Fellini podia se dar ao luxo de colocar na tela sua fantasia, porque não o maior cineasta do Japão? Foi preciso que Steven Spielberg funcionasse como apresentador deste projeto e outro diretor famoso, Scorsese, fizesse o papel do pintor Van Gogh, para que ele se tornasse realidade. É usado como epígrafe a frase “Uma vez tive um sonho...”, que serve de introdução para os diversos delírios.

Alguns chegam a ser ingênuos na sua preocupação com a guerra nuclear e o destino da humanidade, e seu visual é tão precário que parece ser proposital. Em compensação, alguns episódios são deslumbrantes, em particular os dois primeiros e o último, que tem algo de Felliniano na sua procissão de uma bandinha rural. Para um cineasta de 80 anos, o filme é resplandecente de beleza e vitalidade.

Madadayo **** (Idem, 93).

Elenco: Tatsuo Matsumura, Kyoko Kagawa, Hisahi Igawa, George Tokoro, Masayuki Yui, Akira Terao, Asei Kobayashi, Takeshi Kusaka.

Sinopse: As duas últimas décadas da vida do professor Hyakken Uchida, que se aposenta nos anos da guerra. Seus alunos fazem com ele um ritual de aniversário chamado “Mahda-Kai?” (Você está pronto?). Para que ele responda, “Madadayo” (ainda não).

Comentários: Este que foi o último filme do mestre Kurosawa, já realizado quando estava bastante doente. Por isto é visto como uma despedida, um acerto de contas (bem positivo) mais do que uma autobiografia, já que é baseado em livro alheio (de H. Uchida).

Embora haja outros filmes sobre professores e alunos, no estilo Adeus Mr. Chips, este evita qualquer sentimentalismo. É lento, poético, bem oriental. É preciso conhecer e ter ligações com a cultura japonesa para entender melhor a relação deste Sensei com seus alunos.

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